APEPI marca presença no evento para debater legislação

A Universidade do Estado do Rio de Janeiro sediou no dia 11 de julho o “I Seminário sobre Maconha no Brasil Contemporâneo: reflexões, desafios e possibilidades para além da cannabis medicinalâ€. O evento aconteceu de modo hÃbrido, com palestras presenciais e remotas e teve o objetivo de abordar a maconha no Brasil a partir de variados prismas, olhares e experiências no âmbito dos negócios, do turismo, da história, da reparação de danos, da cultura, da arte, da comunicação, da mÃdia, da gastronomia etc.
A programação do SMBC 2023 incluiu temas como legislação e redução de danos no processo de legalização do uso recreativo; turismo e negócios envolvendo a cannabis e aspectos históricos da cultura canábica no Brasil.
Margarete Brito, diretora da APEPI, participou da mesa sobre o tema legislação juntamente com outros convidados, dentre eles André Barros, advogado da Marcha da Maconha no Rio de Janeiro; Dudu Ribeiro, especialista em polÃticas públicas da iniciativa negra por uma nova polÃtica de drogas; EmÃlio Figueredo, da rede jurÃdica pela Reforma e Felipe Vieira, da Marcha das Favelas pela Legalização.
NÃO SE TRATA DA SUBSTÂNCIA, E SIM DAS PESSOAS
Dudu Ribeiro, historiador da Iniciativa Negra, falando direto de Salvador-BA, enfatizou que não há como pensar em economia e formação do Estado e na construção de subjetividades sem pensar no racismo estrutural e no processo de colonialidade. “Essas são questões que estão intimamente ligadas à polÃtica de drogas e que organizam, elaboram, produz a lógica de distribuição de direitos e oportunidades de vida e do acesso à cidadaniaâ€. Dudu enfatizou que “drogas fazem parte da história da humanidade, substâncias psicoativas são antigas e se relacionam com os seres humanos há muito tempo em diversas experiências de consciência, desde rituais religiosos e também de festaâ€. Para ele, devemos normalizar o uso dessas substâncias assim como fizemos com o tabaco, o café, o açúcar, por exemplo. Mas o controle dos corpos e mentes, dentro da doutrina capitalista, segue na lógica do perÃodo escravista, condenando o seu uso. “São formas de atrasar o fim da escravidão. No Brasil começou essa perseguição com a proibição do Pito de Pango na segunda metade do século XIX, controle dentro e fora da fábrica garantindo a máxima exploração do trabalho. “Em 1919 foi aprovada a Lei Seca nos EUA, proibicionista e persecutória, mas no Brasil, em 1915, a maconha já era vista como ‘a vingança dos negros contra os brancos’ e, portanto, deveria ser proibida. Assim, em 1932, temos a proibição da capoeira, do samba, da manifestação de religiões de matriz africana e do jogo do bicho, tudo configurado em ‘crime de vadiagem’.
A Iniciativa Negra por Reparação e Direitos propõe seis recomendações para que haja memória, justiça e verdade nessa questão da polÃtica de drogas no Brasil.
A MACONHA NÃO VAI SALVAR O MUNDO
A SALVAÇÃO DO MUNDO PASSA PELA MACONHA
EmÃlio Figueredo, da Rede Reforma, comentou alguns aspectos onde fica evidente que o Brasil está mesmo na vanguarda do proibicionismo. Mas também celebrou o fato de que temos representantes da sociedade civil eleitos para o CONAD, conselho que recentemente elegeu novos membros.
Para ele, a sociedade deve sair da zona do conforto do uso medicinal da cannabis e deixar de criticar o uso recreativo. Essa crÃtica ao uso recreativo começou com os cantores de Jazz nos EUA, que se tornaram usuários de maconha para compor, fazer shows e se divertir. Como a maioria deles eram negros, isso explica muita coisa. “Todo uso responsável e adulto da maconha está relacionado à saúde humana e ao bem-estar psÃquico e social. Independe se é como óleo, remédio para gerar mais qualidade de vida, ou uso recreativo. É disso que se trata o Recurso 635659, que pretende regular todas as formas de uso. Todos nós temos o direito de reorganizar a realidade injusta principalmente para quem vive na quebrada. Não é condizente com a necessidade da humanidade e dos animais, levando em consideração que avança o uso de cannabis por veterináriosâ€, afirma.
Emilio acredita que precisamos criar função social para uma nova polÃtica pública que faça justiça e reparação. “Não é para ter lojinha e coffee shops na zona sul do Rio e chover bala no Complexo do Alemão. Branco não pode ostentar direitos com a legalização da maconha. Queremos uma legalização de Robin Hood, aquela que vai gerar distribuição de renda a partir da maconha, uma planta que pode também ajudar na questão ambiental do paÃs com sua alta capacidade de fixação de carbono, uma função ecológica para além do socialâ€, disse Figueredo que acredita na salvação do planeta passando pela maconha.

CHÃ DE PORRADA
Felipe Vieira, que hoje atua na organização da Marcha da Maconha das Favelas, lembrou que as pessoas que vão para as ruas do Leblon pedir e marchar pela legalização fumam tranquilamente e tudo é legalizado. Mas voltando para suas casas, no mesmo dia, moradores de comunidades do Rio sofrem a repressão policial costumeira que o Estado dedica a seus cidadãos, pretos e pobres em sua maioria. “No mesmo dia do ato polÃtico de marchar, nada muda, a porrada come. Somente marchar não vai mudar nada para o morador de favela, e isso acarreta um peso psicológico muito grande, não podemos nos surpreender com alguém que tem ódio de policial numa situação como essaâ€, disse o ativista. Para ele, precisamos construir uma perspectiva de legalização popular da maconha, que gere lucro assim como o baile funk ou o bar da esquina. “É preciso normalizar socialmente a maconha e levar mais conhecimento e informação para as comunidades e seus moradores, com debates, cartilhas, etc. É responsabilidade de todos nósâ€, afirmou.
MERCADO PARA A MACONHA EXISTE
André Barros, advogado especializado em ciências penais e atuante na Marcha da Maconha, concordou que existe discriminação racial em tudo que envolve a natureza da cannabis no Brasil. “A primeira Lei que se tem notÃcia para criminalizar a maconha é do Rio de Janeiro, que também é a cidade que foi o maior porto receptor de negros degredados e escravizados da América, não é por acasoâ€, lembrou o advogado que citou ainda o artigo 36 da Lei de Drogas. “Esse artigo cita o milionário, aquele indivÃduo que financia o tráfico de drogas e tem pena prevista de 8 a 20 anos. Esse é o verdadeiro traficante do morro. Mas inacreditavelmente não há inquérito policial pelo artigo 36 no Brasil, não há investigação criminal motivada por esse artigo. Nunca houve. Suponho que não exista milionário na favelaâ€, disse.
De acordo com Barros, mercado para a maconha tem, a maconha é um produto assim como também a cerveja nessa lógica de mercado. O que acontece é que no capitalismo periférico do qual fazemos parte, onde exportamos petróleo e importamos gasolina vendida a altos preços para os brasileiros, não interessa que a maconha seja legalizada, regulamentada e inserida no mercado como cadeia produtiva, capaz de gerar empregos, gerar derivados da planta e subprodutos, aumentar a capacidade regenerativa do solo, ser fonte renovável de produtos que poderiam substituir aqueles de origem fóssil.

AINDA SOMOS ILEGAIS
Margarete Brito, diretora da APEPI, apresentou o guia “Como Regular Cannabisâ€, que foi apresentado recentemente em BrasÃlia -DF e levantou alguns exemplos sobre modelos de regulação que os paÃses têm adotado mundo afora. O documento apresenta prós e contra de cada modelo e ela destacou os impactos no sistema jurÃdico e financeiro e mostrou que onde o uso terapêutico da maconha é regulado, o modelo encarcera menos pessoas, reduz custos, remove estigmas criminais das pessoas que são usuárias de cannabis, facilita a intervenção de saúde pública e facilita o acesso a quem mais precisa. “Na minha opinião, o modelo do Uruguai ainda é o mais factÃvel, permite clubes pequenos recreativos de associados que podem adquirir a maconha por um peso controlado de acordo com as cotas. Fora isso existe a possibilidade da farmácia ou do cultivo doméstico com até oito plantas fêmeas para uso próprioâ€, explicou.
Guete também lembrou que a condição das associações de cannabis no Brasil hoje não possuem de fato a permissão legal para cultivar, manipular, transportar e dispensar os produtos da planta. “Nenhuma de nós tem trânsito em julgado, usamos a sentença de mérito que nos permite fazer o que nós fazemos. Na letra fria da Lei, a gente ganha, mas não leva, tudo que fazemos hoje ainda é na base ilegal. Não é simples, não é fácil. O que nos permite continuar é a nossa legitimidade histórica, muita atuação polÃtica, muito advocacyâ€, disse a fundadora da APEPI que hoje atende cerca de 7 mil pessoas no Brasil.
Margarete ainda defendeu que os ensinamentos sobre o sistema endocanabinoide seja incluÃdo na grade curricular principalmente dos cursos da área da saúde, já que ele é um importante aliado da regulação e equilÃbrio de uma série de processos fisiológicos no corpo humano. Entre outras funções, ele oferece as condições naturais para que o organismo se favoreça das propriedades terapêuticas da Cannabis no enfrentamento de uma série de doenças.
Ao final da manhã do “I Seminário sobre Maconha no Brasil Contemporâneo: reflexões, desafios e possibilidades para além da cannabis medicinalâ€, o que ficou evidente é que não é sobre substâncias, mas sim sobre as pessoas que utilizam tais substâncias. Colocar a droga na frente desse debate é definitivamente um erro.
O evento foi uma iniciativa do Núcleo de Estudos sobre Turismo de Drogas, vinculado ao Departamento de Turismo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (NETUD / DTUR / UERJ), em parceria com Laboratório de Turismo da UERJ (LABTUR/UERJ).
É importante ações desse tipo dentro o meio acadêmico para contribuir na construção de um espaço de discussão franco, legÃtimo e democrático, onde sejam reconhecidos e valorizados os pensamentos, linguagens e ações de atores com expressiva relevância no universo canábico brasileiro.
Baixe aqui o Guia Como Regular a Cannabis.
