Entrevista com Victor Midlej, pesquisador que desenvolve nova perspectiva no combate a parasitos patogênicos humanos usando cannabis

Título da Pesquisa: Cannabis Medicinal: uma perspectiva diferente no combate a parasitos patogênicos humanos

Laboratório de Biologia Estrutural, Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz

O trabalho do pesquisador se dedica à pesquisa com cannabis medicinal para desenvolver possibilidades de cura para doenças endêmicas em países em desenvolvimento como o Brasil. Doença de Chagas, Giardíase, Toxoplasmose, as chamadas doenças negligenciadas que têm maior ocorrência em territórios marginalizados e atingem maiormente a população mais vulnerável. O estudo é promissor pelos resultados que já apresentou trabalhando com cannabinoides isolados.

Vamos conversar com ele sobre esse projeto de pesquisa.

Acompanhe!

Apepi – A FIOCRUZ é pioneira no estudo e desenvolvimento de possíveis medicamentos para tratar doenças negligenciadas, sendo que o Brasil ainda não conseguiu erradicar boa parte delas. Como você enxerga a contribuição do estudo de plantas medicinais para o tratamento dessas doenças?

Victor –  Os canabinoides possuem aplicações terapêuticas que inclusive já estão em literatura científica para tratar alguns tipos de bactérias e protozoários, a exemplo da Malária. Ao longo da história a cannabis já foi utilizada para tratar algumas infecções. A área de parasitologia possui muito campo para entender os efeitos dos canabinoides capazes de eliminar os parasitas.

Sabemos que o sistema endocanabinoide está presente nos mamíferos, incluindo os humanos. Buscamos, além de demonstrar o efeito parasiticida, investigar se receptores canabinoides estão presentes também nos parasitos, tal qual ocorre em células animais, e assim poder entendem um possível sistema canabinoide endógeno nesses micro-organismos..

E se derivados de cannabis apresentassem efeito terapêutico contra infecções provocados por parasitos em nós humanos, não seria então uma alternativa aos remédios convencionais e seus efeitos colaterais? Queremos com essa pesquisa não só mostrar o efeito terapêutico da cannabis para curar algumas doenças infecciosas, como também mostrar que esse sistema endocanabioide também está presente em indivíduos primitivos, por assim dizer.

E precisamos ter pesquisas que estudem protozoário, afinal o Brasil é um país que ainda busca vencer doenças que são muito antigas. Devemos nos perguntar: quem pega essas doenças? As doenças negligenciadas são muito presentes em uma população que não têm acesso à educação e direitos básicos que deveriam ser fornecidos pelo Estado, como saneamento básico e esgotamento sanitário, por exemplo. E quem monopoliza os tratamentos para essas doenças são as grandes indústrias farmacêuticas, que estão olhando para o mercado e para quem pode pagar por esse tratamento.

O Brasil faz pesquisas com foco nessas doenças há muito tempo. Um exemplo disso é a dengue. Nossos pesquisadores são bons, o que não há é investimento. Chamamos de doenças negligenciadas porque quem contrai essas doenças são pessoas pobres. Ou seja, existe uma relação socioeconômica estabelecida.

Ainda não chegamos na testagem dos extratos, mas o estudo já se mostra promissor, trabalhando com os canabinoides isolados ou sintéticos. A resposta do parasita quando tratado com extratos foi muito boa, muito mais eficaz do que o isolado.

Apepi – Como surgiu essa ideia de experimentar a Cannabis no tratamento dessa doença? Existe relatos da Cannabis ser utilizada para tratar doenças infecciosas como essas que você mencionou? Algo dentro da cultura oral e ancestral?

Victor – Sempre conversei com professores de outras áreas como a psicologia dentro das Universidades que leciono e muitos estão preocupados com a inovação em tratamento.

Comecei a estudar mais sobre a liberação de cannabis na área medicinal, para além do uso da recreação, procurando entender todo o contexto sociocultural da cannabis. Com o tratamento de vermes, por exemplo, existia efeitos positivos em comunidades africanas, com indivíduos que usavam mais a cannabis em comparação com outras comunidades e estavam mais protegidos à infecção.  Vi aí um gancho para inovação na minha área.

Apepi – A partir desses relatos que existem na literatura, o seu projeto tem objetivo de avaliar o uso dos canabinoides. No entanto, boa parte dos usos históricos da Cannabis é pautado no uso das folhas e raízes da planta. Você pretende um dia investigar o efeito dos princípios ativos em outras partes da planta?

Victor –  Hoje eu não vislumbro um acesso à planta diferente do que eu tenho de cooperação junto à Apepi, a associação que conversou comigo sobre o trabalho e fez com que meu projeto fosse possível. Isso tem sido fundamental. Tudo que a Apepi consegue de avanço em relação aos extratos da planta, eu absorvo na pesquisa para testar no modelo in vitro, diretamente nos parasitos. Após essa fase, poderemos passar para estudos do combate à infecção em camundongos. Sem as associações que produzem óleos para fins medicinais dificilmente poderíamos avançar nas pesquisas científicas. Não tem pesquisa porque é ilegal. É ilegal porque não tem pesquisa.

Apepi – Como você enxerga os canabinoides, que hoje tem um custo alto para a população mais pobre, sendo utilizados para tratar um grupo de doenças que acomete principalmente essa população?

Victor – Quando apresentei o projeto, eu levantei o viés de uso do canabinoide como remédio. Há medicamentos da indústria com alto custo disponíveis no mercado hoje, cerca de mil reais. Ou seja, na farmácia hoje o que existe é praticamente impossível para grande parte da população realizar um tratamento.

Quando conseguimos mostrar para os órgãos de Estado como Anvisa e Ministério da Saúde que existem outros métodos de tratamento utilizando a cannabis, isso gera avanços. O Brasil precisa entender a importância disso, pois matéria prima para fabricação a gente já possui. Só precisamos que o Estado viabilize aquilo que a ciência está mostrando. Queremos autorização para plantar, colher, extrair os componentes e comercializar seguindo as regras do programa Farmácia Viva. Precisamos dominar a cadeia de produção nacionalmente para dar acesso a todo mundo que precisa.  

Inclusive, quero destacar que o meu projeto de pesquisa foi avaliado não só pela academia e comunidade científica, mas também pela sociedade, por meio de decisão popular para definir o destino de recurso financeiro de Emenda Parlamentar do deputado Alessandro Mollon. A decisão aconteceu em 2022 para ser implementado em 2023 os recursos na pesquisa.

Apepi – Considerando que os produtos industrializados são mais caros, como você vê o auto cultivo ou a liberação do cultivo para fins medicinais ajudando neste acesso? Acredita que se viabilizará?

Victor – Se a gente pensar como as associações surgiram, cultivando em casa para extrair óleo para os pacientes familiares, então sim, acredito que é um caminho sem volta. Foi a desobediência civil que motivou. Mas vou além disso, como essa pessoa vai ter ideia sobre a concentração de cada cepa, praticando o autocultivo de forma amadora? Precisamos sair do amadorismo e colocar profissionais qualificados. Regulamentar é fundamental para mostrar que existem uma série de possibilidades com a cannabis para fins terapêuticos. Basta entender em qual situação, qual cepa e em que dosagem. Agora eu entendo mais sobre a legalização e sua importância, sem discriminar o uso recreativo.

Victor Midlej é biólogo e cientista, doutor em ciências morfológicas, professor na Universidade Santa Úrsula e pesquisador no Laboratório de Biologia Estrutural, Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz, instituição parceira da APEPI em desenvolvimento de pesquisas científicas para uso de cannabis medicinal.

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