Usando nanotecnologia, pesquisadora desenvolve tratamento inédito na Paraíba

Título da Pesquisa: Pomada à base de Cannabis sativa como alternativa para o tratamento da DTM: ensaio clínico randomizado, controlado e duplo cego.

PPGO-UFPB

Entrevistamos a mestranda Maria Letícia Barbosa, cirurgiã-dentista da UFPB, que está em fase preliminar de testes do produto de uso tópico à base de cannabis.

Acompanhe!

Apepi – Qual o potencial que a Cannabis tem no tratamento das DTMs e como você chegou a considerar uma pesquisa nesse segmento? 

Maria Letícia – Já existem evidências do uso da cannabis para reduzir inflamação e dor. Porém, tudo que envolve a cannabis em relação às pesquisas científicas vai na contramão do modo como se faz ciência até então. Geralmente só se faz uso de alguma substância medicamentosa após a sua eficácia comprovada. Com a cannabis é o contrário. Primeiro as pessoas começaram a usar a planta de diversas formas como emplastos, ou em forma de óleo ou extrato. Aos poucos o uso dessas pessoas foi mostrando para o mundo acadêmico e científico que a planta realmente funciona para resolver algumas questões.

Inicialmente eu comecei a estudar a cannabis ainda no trabalho de conclusão de curso da graduação, com a intenção de desenvolver ensaio clínico da pomada, mas esse trabalho foi paralisado em função da pandemia em 2020. Ao retomar os estudos na pós-graduação, ingressei em um projeto de saúde bucal dentro de uma comunidade quilombola em João Pessoa- PB. Então começamos a desenvolver em laboratório alguns testes para pomada no tratamento para dor da Disfunção Temporo Mandibular (DTM), junto com outros colegas da iniciação científica e microbiologia, ainda em fase preliminar.  

Ouvi muitos relatos em reuniões de pessoas que afirmavam fazer uso de forma tópica da planta. Então me perguntei: como posso contribuir com isso?  Na odontologia ainda não há estudos direcionados. Então, resolvemos incluir uma pesquisa nesse sentido. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética no final de 2020. Entramos em contato com a APEPI para ter acesso aos insumos desenvolver a pomada com base nos extratos fornecidos pela associação.

Apepi – Hoje se discute muito as prescrições feitas por dentistas. Como você enxerga o seu projeto contribuindo para o conhecimento do potencial da Cannabis na odontologia? 

Maria Letícia– Importante explicar que a Disfunção Temporo Mandibular (DTM) acomete músculos da face e possui causa multifatorial. Logo, o tratamento também é. Até então as pessoas se tratavam utilizando muito anti-inflamatório e analgésico via oral. Alguns usam também sessões de agulhamento e até a psicoterapia. Pode ter a ver com bruxismo do sono também. Alimentos com cafeína, com muito açúcar ou que são muito estimulantes também afetam os dentes e causam dor nessa região da face. Então, é um problema que pode ter a causa em muitas origens. Pensamos em desenvolver a pomada de aplicação local para tratar isso, na região muscular do rosto, com ensaio clínico para verificar a eficácia. Estamos em fase de formulação, ainda não fizemos testes clínicos. 

Acredito que minha contribuição é a de gerar evidências direcionadas para a Odontologia, assim vamos ter mais segurança para direcionar tratamentos. Já temos a evidência para usar de modo tópico, só falta tratar de maneira correta com base em pesquisas científicas. Uma possibilidade também é usar por dentro da boca, para fins endodônticos em casos de infecções nessa área. Expandir a indicação para além da dor. Essa é uma área bastante promissora. Eu estimo que dentro de cinco anos é um tempo razoável para a clínica quebrar o tabu. Mas pode ser até mais rápido. 

Apepi – Você está desenvolvendo uma pomada a partir do extrato de Cannabis. Quão desafiador é desenvolver um produto desse tipo, ainda mais para a região que é necessário aplicá-la, que é na face? 

Maria Letícia – Os desafios de ser uma pomada são muitos, porque a comprovação da sua eficácia não dependerá apenas do dentista, mas sim do uso correto do paciente. Eu e meus colegas de laboratório e pesquisa já discutimos se seria válido utilizar um hidrogel colocado sobre a pele. A pomada tem a facilidade de simplesmente ser aplicada. Ela seria mais palpável para o paciente, ou seja, ele mesmo vai conseguir aplicar em casa com a indicação prescrita pelo dentista. Queremos desenvolver algo que penetre na pele. Mas sempre vamos depender que a pessoa faça essa aplicação para verificar a eficácia, não depende só do profissional dentista. Mas seguir as prescrições em casa.  

Apepi – Quais são as barreiras que você encontra na sua pesquisa hoje? Consegue encontrar artigos para te guiar e ter uma luz, ou você está desbravando algo que é muito inédito? 

Maria Letícia – Realmente toda a literatura embasada na eficácia de cannabis é uma corrente mais atrelada à área médica. Trabalhamos com as nanopartículas dentro da microbiologia (nanotecnologia). Temos outros extratos de outras plantas também para ter a metodologia e substituir depois pela cannabis, por ser extratos de plantas no geral.  

A questão de registro de patente da pomada é algo que nos preocupa. Pela RDC n°327/2019 a ANVISA define o que são os produtos à base de Cannabis e o que não são. No art. 10°, inciso 4° diz que os produtos de Cannabis serão autorizados para utilização apenas por via oral ou nasal e que não podem ser de liberação modificada, nanotecnológicos e peguilhados. E a justificativa é a ausência de estudos da via tópica e de fórmulas nanotecnológicas. Por isso, a pesquisa nessa área é tão relevante. 

Apepi – E como seria a questão de dar acesso a essa pomada após a conclusão da pesquisa? 

Maria Letícia – É possível registrar em patente, mas não se pode comercializar, ou seja, não sabemos como colocar à disposição do paciente. Não sabemos como seria o fornecimento da pomada nas farmácias uma vez patenteada. Sobre esse tópico da dispensação, ainda não saberia como responder. Mas eu gosto muito da forma como as associações trabalham. Os produtos à base de cannabis hoje disponíveis nas farmácias são de alto custo, inacessível para muita gente e reduzida quantidade de cada composto. O modelo de Farmácia Viva seria um bom caminho. 

A Escola de Saúde Pública da Paraíba está promovendo alguns cursos para profissionais da rede para capacitar no trabalho de cannabis no SUS, porque não há formação para lidar com essa demanda. Eu estou de olho para me inscrever. 

Clique aqui e conheça outras pesquisas realizadas em parceria com a APEPI.

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