Entenda os processos que a planta passa até chegar ao óleo do paciente

Título da Pesquisa:  Avaliação dos fitopatógenos fúngicos que afetam cultivares de Cannabis no Brasil

Entrevistamos o educador físico Orlando Pereira Neto, que trabalha na Fazenda APEPI e desenvolve um projeto de pesquisa junto com outros profissionais de várias instituições de ensino sobre a avaliação da presença de fungos que afetam plantas de Cannabis no Brasil, uma abordagem para a saúde dos pacientes e a qualidade dos produtos.

Confira:

APEPI – O que te motivou a realizar essa pesquisa e levantamento bibliográfico?

Orlando Neto – A minha motivação veio de uma dificuldade que encontramos no setor de beneficiamento da Fazenda, onde eu trabalho, que é a ponte entre o cultivo e o laboratório. Ali recebemos a colheita, secamos as plantas, enviamos para o processo de moagem das plantas, em seguida elas são embalas e enviadas para o laboratório. Em alguns momentos, durante a secagem, detectamos a presença de muita contaminação fúngica, o que nos obrigava a descartar esse material.

Naquele momento percebi que era necessário entender o que estava afetando o cultivo, e uma vez entendendo, seria possível controlar melhor para evitar essas ocorrências. Saber como lidar e como prevenir esse problema. Era muito triste ter que descartar esse material na última etapa, depois de envolver o trabalho de todo mundo no processo.

Tive também muito incentivo da Claudete Oliveira, que é líder desse trabalho na Fazenda, na área de pesquisa, conhecimento e educação.

APEPI – Qual a importância de catalogar todos os possíveis fungos e doenças que podem acometer o cultivo de Cannabis e como isso é aplicado na prática do seu trabalho na APEPI?

Orlando Neto – Na área do beneficiamento, além das etapas que eu já mencionei, nós precisamos garantir também a rastreabilidade de toda colheita, que vai desde o momento em que a estaca é gerada, quando a muda pega e continuamos mantendo essa rastreabilidade até chegar no laboratório para a planta virar óleo.

Além disso, garantimos também o controle de qualidade para que a colheita tenha um bom aproveitamento até se transformar em medicamento.

 A importância de catalogar todos esses fungos é grande, pois como o cultivo de cannabis no Brasil é recente, a área acadêmica tem muita carência de estudos nesse sentido.

A maior parte da bibliografia que existe hoje e está sendo usada na pesquisa vem dos EUA, Europa e Ásia.  Mas não há referências para os fungos específicos de nossa região.  

Tive oportunidade de apresentar em um congresso nacional de fitopatógenos realizado em Brasília que ficou muito evidente essa situação. De quase 800 trabalhos que foram enviados, apenas dois eram de cannabis, o único trabalho nacional foi o nosso. O outro era do Paraguai.  O evento tratava de estudos sobre as doenças de plantas. O legal de participar de eventos assim é mostrar a importância disso, quanto mais estudos tivermos nessa área melhor, mais seguros estaremos para continuar nessa jornada.

APEPI – Sua pesquisa teve a contribuição de pesquisadores da Universidade Federal da Bahia, Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro e FIOCRUZ. Como é a relação das universidades e especialistas de diferentes áreas contribuindo para uma pesquisa dessa magnitude? Você conta com a ajuda das universidades para auxiliar na detecção desses patógenos no seu trabalho?

Orlando Neto – É muito importante essa ajuda técnica na área acadêmica. Eu não tenho formação em áreas do saber relacionadas às plantas, não sou formado em áreas da biologia, então ter esses pesquisadores é fundamental porque são pessoas que detém um conhecimento muito profundo da área e farão as perguntas técnicas. Trabalhar com gente tão qualificada é fonte de aprendizado profundo nessa área.

E existe uma boa troca, pois eles também têm interesse nessa pesquisa para ter acesso à matéria prima da planta e evoluir com as pesquisas, afinal, o acesso à cannabis no Brasil ainda é muito difícil. Todas as pesquisas de agora servirão de referências para as próximas no futuro.

E assim melhoramos a qualidade da nossa produção.

APEPI – Qual o impacto que um fungo pode causar nas inflorescências da Cannabis? Se extrair uma planta fungada, pode ter comprometimento da saúde de um paciente em que sentido?

Orlando Neto – O impacto que ele pode causar, acomete a saúde da planta. Impede o desenvolvimento dela. Pode matar a planta. Reduz a matéria vegetal que será colhida depois. Algumas substâncias tóxicas que podem causar mal à saúde humana. Pessoas que são imunocomprometidas podem vir à óbito caso tenham contato com esses fungos.

Todas as nossas plantas passam por esse controle de qualidade que eu vinha explicando, a APEPI também faz o controle de microtoxinas. Há alguns limites para que elas existam, se ultrapassar esse limite devemos descartar o material, não está próprio para uso. Medimos também a presença de metais pesados e presença de canabinoides.  Ã‰ uma segurança maior para os pacientes.

Isso inclusive ressalta a urgência de a cannabis ser regulamentada no Brasil, enquanto ela não for, não existirão leis que garantam esse tipo de procedimento de qualidade do produto em todos os lugares. Quanto antes isso acontecer, mais seguros os pacientes vão estar.

APEPI – Qual a importância de realizar o controle de qualidade no cultivo e no produto final, quando se tem o óleo pronto no laboratório?

Orlando Neto – Fazendo o controle de qualidade no cultivo, menor será o prejuízo. Vamos evitar que na última ponta do processo, no laboratório, chegue o material contaminado e evitamos assim que ele passe por todas as etapas anteriores, sendo descartado lá na frente.

APEPI – Como a APEPI tem contribuído para o seu desenvolvimento profissional e quais serão os próximos passos que você tomará para continuar desenvolvendo ciência com Cannabis no Brasil?

Orlando Neto – A Claudete Oliveira, farmacêutica da APEPI, me influenciou muito nessa busca por conhecimento. Minha formação não é nessa área, mas tenho muito interesse. Me engajei nessa pesquisa no início de 2023 pela motivação de ajudar as pessoas que precisam. Não só pela cannabis em si, ou pelo ineditismo envolvendo a planta proibida. Em breve concluída a coleta de informações, pretendemos publicar artigo sobre a pesquisa que está em andamento.

APEPI – Pensando no contexto geral do crescimento da cannabis no Brasil e no mundo, algo que vimos muito em evidência durante a Expocannabis em São Paulo, que é um mercado em ascensão, como você vê o papel das associações, uma vez que a luta pela regulamentação, no dia em que ela vier, pode gerar perda de mercado, já que a consequência de regular é uma popularização maior, um acesso maior para o cultivo doméstico e a fabricação do individual do próprio remédio. De alguma forma, vai deixar de ser algo exclusivo para poucos. Por mais que as associações ampliem o seu atendimento para mais e mais pessoas, ainda é para poucos. Será que essa luta em defesa da regulamentação é de interesse das associações? Como você vê essa situação?

Orlando Neto – Interessante essa pergunta. De fato, se trata de um paradigma né? Pois, enquanto não é legalizado ou regulamentado, isso acaba fazendo com que o acesso se torne exclusivo para alguns. Conseguir Habeas Corpus é caro, pagar advogado é caro, ter acesso a sementes boas é caro. Então existe um monopólio nas mãos de algumas pessoas. Quando regulamentar, isso tende a mudar. É complicado.

Teoricamente era para ser de interesse das associações que atuam para atender a população. Mas elas vão perder mercado, vai existir mais concorrência, mais abertura para mais gente entrar nesse ramo. Para o futuro as associações precisam entender qual espaço do mercado elas vão preencher. Isso sem contar o agronegócio que é forte no Brasil ou a entrada do capital estrangeiro no mercado da cannabis. Que papel elas vão exercer nesse sentido? É uma zona cinza, um paradigma que está posto. A criação de serviços prestados para o paciente ou apresentar dados para pesquisa pode ser um caminho.

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