Construir vontade polÃtica, ampliar acesso e formas de tratamento foram os principais temas na reta final do evento
O segundo dia da feira internacional ExpoCannabis Brasil foi marcado por debates sobre polÃtica de drogas, acesso à cannabis terapêutica e seus derivados, além de abordar perspectivas sobre a cannabis na América Latina. O evento se propõe a debater educação, saúde e desenvolvimento de negócios sobre a cannabis, em dois espaços de conferências. A mesa a seguir foi realizada no Fórum Internacional, principal espaço de conferência da ExpoCannabis Brasil que tem capacidade para até 600 pessoas.

Acesso à Cannabis como tratamento
Representando as associações de pacientes, Cidinha Carvalho, da associação Cultive, alertou para a tão falada implementação da cannabis medicinal do SUS no Estado de São Paulo. De acordo com ela, é um modelo que não está atendendo à s necessidades das pessoas que protagonizam essa batalha. “Não copiem o exemplo de São Paulo nos demais estados do Brasil. É algo aquém da nossa realidade. Já existem boas práticas de polÃticas públicas de saúde envolvendo tratamento com cannabis que incluem doenças como autismo, por exemplo. Algo que, em São Paulo, não acontece. Isso inclusive é contra aquilo que a ANVISA prega, uma vez que já se incluiu o autismo na lista de doenças tratáveis com cannabis. Essa é uma dinâmica pouco inclusivaâ€, afirmou Cidinha no espaço do Fórum Internacional.

A farmacêutica da APEPI, Claudete Oliveira, afirmou que o acesso à cannabis medicinal não é só via prescrição médica, mas vai além disso. “São várias as situações que vivenciam os pacientes. Devemos pensar em inserir a cannabis no seu universo farmacológico, trabalhar com ele em seus cuidados diários e o profissional que faz isso e está dia a dia ao lado dos pacientes são os farmacêuticos, enfermeiros, cuidadores, etc. Temos casos de pacientes que tomam o chá da folha. Aquele que prefere inalar para ter o benefÃcio mais rápido, e aquele mais tradicional que faz uso do óleo. Tudo isso significa acesso à cannabisâ€, explicou Claudete, que é doutoranda na Unicamp. Ela explicou ainda que os profissionais da área de saúde acabam lidando com muitas situações de ansiedade do paciente em busca de seu conforto e alÃvio e todo esse trabalho é o que podemos resumir na chamada “atenção farmacêutica†que a equipe da APEPI está implementando em fase inicial. “O sistema endocanabinoide é complexo para cada pessoa, o cuidado farmacêutico é ter o paciente como ator principal, assim como os seus cuidadores, sua famÃlia, o ambiente social, a comunidade. Somos quatro farmacêuticos na associação hoje. É preciso estar sempre pesquisando com quem entende o paciente, quem entende a planta e o medicamento em contÃnuo estudo e pesquisa. Um dos maiores problemas na cannabis medicinal hoje é o apagão de dados, fruto da proibiçãoâ€, disse.
Regulação urgente
Recebendo a animosidade do público presente, pudemos conferir a presença de João Paulo Perfeito, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa); que, como regulador, reconheceu que há muitos desafios a serem enfrentados e superados quanto ao acesso à cannabis medicinal. Ele lembrou que se discute o tema desde 2015 e que, apesar dos avanços, ainda existem muitas lacunas no potencial terapêutico da planta. “Faltam evidências para o contexto de saúde pública, precisamos disso para construir polÃticas públicas coletivas e não com base em casos isolados. Acredito que regulamentar o plantio no Brasil para que existam pesquisas e avanços é fundamental, disse João Paulo. Ele também citou a Resolução da Diretoria Colegiada – RDC 327 de 2019, que prevê basicamente o papel do médico como uma figura corresponsável pelo tratamento, por meio da sua autonomia na avaliação clÃnica, capaz de recomendar a melhor medicação. Lembrando que a RDC 327 dispõe sobre os procedimentos para a concessão da Autorização Sanitária para a fabricação e a importação, bem como estabelece requisitos para a comercialização, prescrição, a dispensação, o monitoramento e a fiscalização de produtos de Cannabis para fins medicinais, entre outras providências.
Ampliar as formas de tratamento
Já a Dra. Priscila Mazzola (UNICAMP), falou sobre a necessidade de avançar na produção de novas formas de tratamento envolvendo a cannabis. “Atualmente o meu foco enquanto pesquisadora é procurar desenvolver novos medicamentos capazes de tratar diversas doenças que nos acomete. Ou seja, aumentar o arsenal terapêutico da cannabis e ampliar o leque de possibilidades de tratamento, não apenas via oral. Há muitas possibilidades como por exemplo, pomadas terapêuticas, medicamentos via retal ou medicações voltadas à saúde da mulher. Não podemos ficar só na escala artesanal de produção desses medicamentos. Esse caminho a gente deve perseguir e maximizar†disse. O Laboratório de Farmacotécnica e Cuidado em Saúde que a Dra Priscila faz suas pesquisas realizou, em agosto, um workshop sobre cannabis medicinal com a presença da APEPI.

Outra médica presente no debate foi a Dra. Carolina Nocetti, especialista em cannabis que atua também na empresa Interdoc.med. Ela lembrou que o próprio Conselho Federal de Medicina (CFM) já mostrou o que pode ser tratado com cannabis medicinal e explicou o ato médico, que em resumo, se trata da autonomia de tratamento envolvendo as escolhas do médico e paciente. Lembrou ainda que o Brasil é campeão em diagnósticos de ansiedade e o segundo maior paÃs do mundo consumidor de Rivotril, algo que já ficou até banalizado. “Faltam equipes multidisciplinares quando o assunto é tratamento com maconha, não é só médico que resolve e quem muitas vezes briga pelo bem-estar do paciente é o farmacêutico. Ou seja, é preciso mudar o estilo de vida das pessoas, pois educação e informação também é capaz de salvar vidas, não só os médicosâ€, afirmou.
Vontade polÃtica e participação social

Para além de muita pesquisa, evidências, ampliação de profissionais capacitados em conhecimentos canábicos e regulação, há uma frente bastante relevante nessa luta pelo acesso que é travada no âmbito das casas legislativas do Brasil com incidência polÃtica. O deputado estadual pelo Paraná, Goura Nataraj (PDT-PR) apresentou exemplos reais de como as iniciativas da sociedade civil conseguem mudar cenários e perspectivas relembrando a linha do tempo da LEI Pétala – LEI 21.364. O PL 962/2019 foi promulgado em 13 de fevereiro de 2023 e recebeu o nome de Lei Pétala em referência a uma menina de cinco anos que foi diagnosticada com uma doença rara que afeta o desenvolvimento neurológico. “Os pais da menina trouxeram o debate para dentro da Assembleia e isso levantou o debate sobre a guerra à s drogas de modo que foi uma vitória o que conquistamos no Estadoâ€, contou. Em março desse ano, o parlamentar apresentou pessoalmente ao presidente Lula (PT) as pautas da regulamentação da cannabis medicinal e informou sobre a promulgação da Lei Pétala. “Enfatizei o potencial medicinal, industrial, agrÃcola, ambiental e financeiro que esse mercado pode trazer ao Brasil. Aproveitei para entregar nossa cartilha da cannabis medicinal e contar da aprovação que tivemos da Lei Pétala, um avanço para os pacientes do Paraná que pode servir de exemplo para polÃticas públicas em todo o Brasilâ€, afirmou Goura.
Sem esquecer dos aspectos históricos e todas as consequências nefastas que a proibição da maconha já gerou e ainda gera para nosso paÃs, a vereadora do Rio de Janeiro, Luciana Boiteux (PSOL-RJ) lembrou o pito do pango, como era chamada a maconha no inÃcio o século passado, uma lei proibicionista que criminalizava os negros e recém libertos do regime de escravidão. Luciana disse que hoje ainda existe uma cartilha de fakenews que reproduz mentiras e que só colabora para o atraso da pauta no debate público, citando a ocasião da audiência pública que o mandato realizou no mês de maio na Comissão Especial da Cannabis Medicinal da Câmara, quando Guete Brito explicou o que é THC (um dos canabinoides da maconha) para o vereador Rodrigo Amorim, que passou vergonha.
Assista a gafe do vereador aqui: Instagram Familia APEPI
“Não podemos continuar falando em saúde pública e ignorar que existe uma ‘guerra à s drogas’, são duas coisas que não combinam. Como democratizar o acesso e modificar essa realidade que afeta a todos? A culpa não é da ANVISA, mas falta sim vontade polÃtica para regulamentar. Ainda estamos dentro de uma lógica perversa a burra, a Farmácia Viva está aà para nos mostrar o caminho. Devemos romper com o regime proibicionista que é a causa de todos os malesâ€, afirmou Boiteux.
Último dia de feira, a luta continua

Nosso destaque para o terceiro dia de evento foi a palestra de Margarete Brito, com o tema “Sonhar, Lutar e Realizarâ€, proferida junto com Rapha Erichsen, diretor do filme “O outro mundo de Sofiaâ€, na Arena do Conhecimento. O audiovisual como ferramenta social impulsionou a luta de Margarete e Marcos para dar visibilidade à luta por qualidade de vida para sua filha Sofia, portadora de sÃndrome rara e tantas outras pessoas que também necessitam. Algo que começou individual, se tornou coletivo. “Minha mensagem é pela planta livre, não podemos aceitar que depois de tudo que estamos fazendo, ainda exista uma lei onde pessoas são executadas por causa de um baseado. Seja para uso medicinal ou recreativo, a proibição já não faz mais sentido. Todos os ativistas devem ser reconhecidos nessa busca por liberdade e democraciaâ€, afirmou Guete.
E que a planta seja livre porque nós precisamos dela. Se você quer conferir essa participação, clica aqui em nosso Instagram.
O filme “O outro mundo de Sofia†está disponÃvel no GloboPlay.
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“A ExpoCannabis Brasil, não é apenas uma plataforma de educação e comunicação, que nosso paÃs precisa, mas uma ferramenta para empresas e investidores e um espaço para o debate sobre avanços na legislação brasileira.â€, afirma Larissa Uchida, CEO da ExpoCannabis Brasil.
A Expocannabis Brasil reuniu nos dias 15, 16 e 17 de setembro, na capital paulista, reunindo mais de 120 especialistas e autoridades de paÃses como Brasil, Argentina, Estados Unidos, México, Paraguai e Uruguai no Centro de Exposições São Paulo Expo, com o tema “Semeando o futuro“.
Você pode assistir a transmissão ao vivo do dia 17 aqui:
Youtube Expocannabis | Transmissões ao VIVO
